Palestra
Melhoramento genético do tomateiro e a resistência varietal a doenças
Wilson Roberto Maluf, Ph.D. Professor Titular; Departamento de Agricultura (DAG); Universidade Federal de Lavras (UFLA); Caixa Postal 3037; 37200-000 Lavras-MG-Brasil; E-mail: wrmaluf@dag.ufla.br
O tomateiro cultivado (Solanum lycopersicum, sin. Lycopersicon esculentum) tem seu centro de origem na região Andina, ao lado de cerca de 9 outras espécies selvagens a ele geneticamente relacionadas. No entanto, sua domesticação se deu no México, a partir de acessos da variedade cerasiforme – o tomate cereja selvagem- que se dispersaram até lá provavelmente através de dejetos de pássaros. Embora o "gene pool" do tomateiro inclua acessos com resistência à maior parte dos patógenos e pragas que afetam a cultura, durante a migração houve sem dúvida um "gargalo" na variabilidade genética existente. Novo gargalo deve ter ocorrido quando, após o descobrimento da América, o tomate foi levado à Europa pelos espanhóis. Presumivelmente, outro gargalo pode ainda ter ocorrido ao ser levado da Europa para outras regiões do mundo. Em consequência, os tomateiros cultivados eram, em princípio, notoriamente suscetíveis ao grande número de doenças e pragas que afetam a cultura. Não foi senão na primeira metade do século XX, após o advento da genética como ciência, que começaram surgir as primeiras cultivares resistentes a doenças. Para isso, melhoristas buscaram no extenso gene pool não cultivado fontes de resistência, e fizeram uso frequente de cruzamentos interespecíficos. Patógenos de solo, principalmente Fusarium, Verticillium e nematoides do gênero Meloidogyne estavam entre os primeiros contra os quais foram criadas cultivares resistentes. No Brasil, não foi senão na década 1970 que surgiram as primeiras cultivares com resistência a doenças – no caso, à raça 1 de Fusarium oxysporum f.sp. lycopersici. No final da década de 1970/início da década de 1980, foram lançadas cultivares para indústria com resistência múltipla à raça 1 de Fusarium oxysporum f.sp. lycopersici, ao Verticillium sp. e nematoides do gênero Meloidogyne – que se tornaram conhecidas como cultivares "VFN". A natureza dominante (ou parcialmente dominante) dos alelos que conferem resistência à maioria dos patógenos do tomateiro de certa maneira facilitou a obtenção de cultivares com resistência a maior número de doenças, principalmente a partir do final da década de 1980, e, principalmente, a partir da década de 1990, quando o uso de cultivares híbridas se disseminou, substituindo em grande parte as cultivares de polinização aberta. Cultivares híbridas com resistência a cinco, seis ou mais patógenos são hoje disponíveis no mercado. Além do tradicional "VFN", estas cultivares podem ainda ter resistência às raças 2 e 3 de Fusarium oxysporum f.sp. lycopersici, ao Stemphylium solani, a espécies de tospovirus, a espécies de begomovirus, a Pseudomonas syringae pv. tomato, e a estirpes de TMV (Tobacco mosaic vírus). A piramidização destas resistências tem sido facilitada pela popularização, ocorrida a partir da década de 1990, do uso de marcadores moleculares associados aos alelos de resistência – o que significou uma redução dos custos envolvidos no processo de introgressão destes genes em linhagens-elite de tomateiro usadas na obtenção de híbridos. Apesar do grande progresso obtido na resistência varietal a doenças em tomateiro, muitos desafios ainda permanecem. Novos patógenos podem tornar-se importantes – um exemplo potencial é o nematoide Meloidogyne enterolobii, já relatado em importantes regiões produtoras de hortaliças (inclusive no Estado de São Paulo), e contra o qual o gene Mi usado no controle de M. incognita e M. javanica é inefetivo. Programas que visam à obtenção de cultivares resistentes a doenças bacterianas como a murcha de Ralstonia solanacearum, a mancha de Xanthomonas campestris pv. vesicatoria, e o cancro causado por Clavibacter michiganensis subsp. michiganensis têm sido relatados, mas os progressos conseguidos têm sido limitados: as cultivares resistentes lançadas têm mostrado qualidade insatisfatória de frutos e/ou níveis insuficientes de resistência. A requeima causada por Phytophtora infestans têm sido outro desafio: genes que conferem resistência parcial estão disponíveis em algumas linhagens, mas a variabilidade do patógeno e o nível muitas vezes insuficiente da resistência genética têm limitado o seu uso. Pragas como a mosca branca Bemisia tabaci/B. argentifolii em grandes populações contribuem para a disseminação dos begomovirus – fato que, associado à resistência apenas moderada ao vírus, existente na maioria dos materiais resistentes, pode ocasionar danos até mesmo nestas cultivares. A busca de novas fontes (genes) de resistência a begomovirus em adição às atualmente utilizadas, e também o lançamento (previsto para breve) de cultivares resistentes a pragas (inclusive mosca branca) poderá contribuir para progressos na resistência varietal aos begomovirus. A natureza destes desafios faz presumir que programas de melhoramento genético do tomateiro visando à resistência varietal a doenças (e a pragas) venham a ter nos próximos anos importância tão grande quanto a daqueles com os quais se conseguiram os progressos atuais.
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