Palestra

Desafios no Manejo de Doenças na Agricultura Orgânica

 

José Odair Kuhn

UNIOESTE, PR

 

 

Odair José Kuhn; José Renato Stangarlin & Marcia Vargas Toledo
 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conduzir as famílias rurais, para a produção agroecológica sem o uso dos tradicionais produtos fitossanitários para controle de doenças, exige conhecimento mais aprofundado do comportamento dos patógenos, do ambiente e das possibilidades de tratamentos adequados aos sistemas orgânicos.

A necessidade de maior intervenção no processo produtivo orgânico ocorre no período da conversão do sistema convencional para orgânico, no qual, o agricultor passa por um processo de readequação da propriedade para atender aspectos normativos exigidos pelas certificadoras e readequação do pensamento do agricultor. Neste período os problemas são maiores e a possibilidade de desistência do produtor é grande, pois em muitas situações ocorre a perda da produção.

No período de conversão o agricultor começa a transformação da propriedade pela formação de barreiras nas áreas de produção e diversificação da produção, bem como a diversificação biológica da propriedade, tendo sempre em mente o modelo mata nativa. Em sistemas biodiversos e equilibrados a ocorrência de doenças é um processo normal, onde o patógeno está em equilíbrio no meio e faz parte da biodiversidade. Contudo a propriedade em conversão não está equilibrada, e o equilíbrio não ocorre de um ano para o outro, mas exige alguns anos para estabilização do sistema.

A biodiversificação não implica apenas a diversificação de produção, mas diversificação de seres vivos, incluindo diversidade de plantas, comercializáveis ou não, cultivadas em suas respectivas épocas, pois o plantio fora de época favorece a ocorrência de doenças. Implica também na diversificação da biologia do solo, incluindo animais e microrganismos, num sistema que permita cada indivíduo se adaptar ao meio e, dessa forma, tendendo a diminuir o processo doença naturalmente. Essa diversificação inclui: rotação de culturas com diferentes plantas comercializáveis, principalmente com plantas específicas de adubação verde; cultivo conjunto ou consorciados; manutenção de áreas de refúgio para insetos predadores; revolvimento mínimo do solo; e manutenção da palhada em superfície, para que a biota do solo seja a responsável pela estruturação e contínua formação do mesmo.

Para a biodiversificação de cultivos de uma propriedade, sejam eles comercializáveis ou não, o agricultor depende de sementes. A semente é um dos principais fatores de entrada de patógenos em uma área de cultivo, sendo frequentemente a grande responsável por epidemias em sistemas convencionais. Contudo, nos sistemas orgânicos, a responsabilidade pela produção de semente está com o agricultor, o qual produz e em feiras de troca de sementes disponibiliza a outros agricultores. Nesse aspecto a produção de sementes para agricultura orgânica ainda é um desafio, pois nem sempre a semente apresenta qualidade adequada. Por outro lado tanto técnicos como agricultores orgânicos consideram que ainda que a semente esteja contaminada, uma propriedade equilibrada se torna totalmente desfavorável ao desenvolvimento da doença. Um grande desafio é estabelecer o adequado e treinar os produtores neste processo.

A diversificação de plantas é naturalmente seguida pela diversificação da vida no solo ou na superfície. No solo, exsudatos de plantas, bem como a matéria vegetal fresca, torna-se fonte nutricional específica de macro e microrganismos, atraindo e mantendo populações específicas. Se considerarmos a implantação de monocultivos, podemos considerar a simplificação das populações do solo pela simplificação nutricional. Na parte aérea, à semelhança do solo, as espécies de plantas são atrativo para diferentes populações habitantes desse nicho que contribuem com o equilíbrio dinâmico desse ambiente. Logo, a diversidade de plantas, seja por rotação de culturas e/ou policultivos, propicia a diversificação do ambiente. A maioria dos agricultores orgânicos está em fase de conversão e os seus conceitos de agricultura são do monocultivo, logo, isso é outro grande desafio, especialmente quando há pouca mão-de-obra disponível e o monocultivo é reconhecidamente mais prático.

Ao atingir um ponto de equilíbrio a ocorrência de doenças torna-se endêmica e frequentemente com baixa severidade, interferindo de modo restrito na produção. Contudo, durante o período de conversão, dependendo da degradação do solo pelo uso abusivo, erosão, bem como por contaminação com compostos químicos, como inseticidas, fungicidas e herbicidas, ou mesmo adubações químicas pesadas anteriores ao início do processo de conversão. Se o nível de desequilíbrio for muito elevado, são necessárias intervenções com métodos de controle que normalmente também colaboram para a diversificação biológica do ambiente.

Para a convivência com os microrganismos fitopatogênicos no ambiente de produção, além da geração de equilíbrio dinâmico pela diversificação, alguns métodos para interferência são recomendados pela assistência técnica, dentre estes está o uso de caldas fertilizantes e fermentados, não apenas ricos em nutrientes, mas com grande diversidade de microrganismos originalmente habitantes do filoplano. Esses microrganismos atuam quando pulverizados sobre plantas essencialmente como competidores, por antibiose ou indução de resistência. Um exemplo desses fermentados é o supermagro, produto caseiro preparado pelo próprio agricultor a partir da fermentação aeróbica de esterco bovino fresco, leite e melado de cana, acrescido com fontes minerais naturais. Essa calda é aplicada periodicamente sobre diversas culturas, normalmente a cada sete ou 15 dias.

Outro método baseado em coquetel de microrganismos, denominado de microrganismos eficientes (EM), coletados de solo de mata, é empregado com frequência para recomposição da flora microbiana do solo e para manutenção da sanidade das plantas. A coleta dos microrganismos do solo é efetuada a partir da colonização de arroz cozido enterrado abaixo da serapilheira de borda da mata em recipientes abertos e revestidos com tela que permita a entrada dos microrganismos e evite que o arroz seja comido por animais maiores. Após 15 dias sob o solo o arroz completamente colonizado, principalmente por fungos, actinomicetos e bactérias é recolhido e colônias claras são separadas e dispostas em frascos para fermentação em mistura de água e caldo de cana. Essa fermentação é anaeróbica e leva cerca de 15 dias para estar pronta, a qual é diluída e regada sobre canteiros de produção de hortaliças, ou mesmo pulverizado em parte aérea.

O controle genético com o uso de variedades resistentes tem sido indispensável, mas com variedades melhoradas pelo processo convencional, excluindo-se o uso de transgênicos. A seleção de materiais resistentes é normalmente efetuada pelos próprios produtores, a partir do exercício da observação e experimentação. Neste aspecto o desafio é o desenvolvimento de pesquisa participativa para seleção e melhoramento de plantas para o cultivo orgânico.

O controle biológico de doenças também tem sido bastante empregado, especialmente produtos a base de Trichoderma para controle de patógenos de solo e Paecilomyces para controle de nematoides. Contudo, a dispersão de uma espécie no ambiente em liberação massiva nem sempre é bem vista, uma vez que o equilíbrio parte do princípio de que nenhuma população da biodiversidade está presente em demasia que possa se sobrepor a outras populações. Logo, o controle biológico dessa forma quando ocorre, é utilizado principalmente no período de conversão.

Uso de calda bordalesa e calda sulfocálcica para o controle de doenças fúngicas e bacterianas é uma ferramenta aceita e bem difundida, contudo, em algumas situações, tem causado problemas de fitotoxidez. A dependência destas caldas reside na resistência a biodiversificação da propriedade na visão do monocultivo.

Outros métodos como o uso de cinzas de madeira polvilhada sobre as folhas, a pulverização de leite cru a 15% para o controle de oídios em diversas culturas, e pulverização de infusões de plantas medicinais, como chá de cavalinha para o controle de míldio, também são frequentes, as quais tem sua eficiência comprova pela academia.

A homeopatia é uma técnica amplamente utilizada no oeste paranaense e absorvida pelos produtores, sendo utilizada para controle de pragas e doenças especialmente em hortaliças e fruteiras. Para esta técnica o desafio é provar nos rigores científicos sua funcionalidade, contudo pesquisas estão sendo desenvolvidas na Unioeste (Marechal Cândido Rondon-PR) para o controle de doenças e na UEM (Maringá) quanto a aspectos fisiológicos de plantas cultivadas.

Em situação extrema como epidemia de requeima (Phytophthora infestans) em estufas com tomate tem se recomendado o uso de dióxido de cloro (5%) como sanitizante. Contudo, as epidemias são reguladas pelo ambiente e eventualmente elas ocorrerão, e, para contornar economicamente, o desafio é desenvolver as propriedades de forma que uma única cultura não represente a principal fonte de renda da propriedade.

Soluções utilizando métodos simples que promovam a biodiversidade, permitindo atingir produções que sustentem a família no campo com qualidade de vida, ainda que não sejam comparáveis aos valores de produtividade dos sistemas convencionais, devem ser vistas com bons olhos, pois a agricultura orgânica jamais vai produzir acima do que pode se considerar em equilíbrio, pois isso favoreceria o processo da doença. Por outro lado, situações ambientais que desfavoreçam o cultivo e permitam a ocorrência de epidemias precisam ser pensadas e pesquisadas, pois grandes perdas geram desânimo e frustração e, por consequência, a desistência do sistema orgânico de produção.

 

 

Referências consultadas

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 Bonato, C.M. Mecanismo de atuação da Homeopatia em Plantas In: V SEMINÁRIO BRASILEIRO SOBRE A HOMEOPATIA NA AGROPECUÁRIA ORGÂNICA. 2013, Toledo, PR. Viçosa – FUNARBE – Universidade Federal de Viçosa, 204p.17-44.

 Bonato, C.M.; Souza, A.F.; Collet, M.A. Rust (Phakopsora euvits Ono) control in the grap culture with application of homeopathic solutions. Cultura Homepática Archivos da Escola de Homeopatia. São Paulo, v.16 p. 52-52, 2006.

 

Eastburn, D. Managing disease by managing soils. Extension - America’s Research-Based Learning Network, 2010. Disponível em: http://www.extension.org/pages/18638/ managing-disease-by-managing-soils#.VB9Q8fldX9p

 Hamerschmidt, I.; Toledo, M.V.; Popia, A.F.; Assis, O. Manual de olericultura orgânica. Curitiba: Emater, 2012, 129p.

 Stangarlin, J.R.; Kuhn, O.J.; Assi, L.; Schwan-Estrada, K.R.F. Control of plant diseases using extracts from medicinal plants and fungi. In: Méndez-Vilas, A. (Ed.). Science Against Microbial Pathogens: Communicating Current Research and Technological Advances. Badajoz: Formatex, 2011a. P.1033-1042.

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 Toledo, M.V.; Stangarlin, J.R.; Bonato, C.M. Homeopathy for the control of plant pathogens. In: Méndez-Vilas, A. (Ed.). Science Against Microbial Pathogens: Communicating Current Research and Technological Advances. Badajoz: Formatex, 2011. P.1063-1067. 

Toledo, M.V. Aspectos fisiológicos de genótipos de tomateiro infectados com fungos biotrófico e hemibiotróficos e tratados com medicamentos homeopáticos. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Agronomia, Unioeste, Marechal Cândido Rondon, 2014.

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